OSSOS DO OFÍCIO
(E DO SACRIFÍCIO)
(E DO SACRIFÍCIO)
Comecei
o dia no aeroporto.
Estamos
a poucos dias do início da Copa do Mundo, mas essa proximidade parece fazer as
coisas que já eram ruins, piorarem bastante.
Num
horário que coincide a chegada de vários vôos internacionais, o salão de desembarque
se transforma num circo, num picadeiro, numa zona. É possível presenciar
situações grotescas, envolvendo o mais variado cardápio de personagens e atores
locais, que parecem ser os donos daquele espaço que se confunde entre o público
e o privado.
Familiares,
conhecidos e profissionais que esperam por passageiros, compõem um mosaico mega
eclético de pessoas, com as mais variadas intenções. Existe uma ânsia nessa
espera, uma tensão. É a energia principal que rege aquele ambiente, energia
positiva e/ou negativa.
Mas
é o que se passa nas entrelinhas daquele ambiente, que nos faz crer que a
situação é muito pior do que se propagandeia por aí. Existe um “Black market”
atuando livremente, sabe-se lá porque, que domina os dois terminais do Galeão
causando constrangimento, tristeza e vergonha.
Em
outros países chamariam de máfia, o que não muda em nada o resultado final. O
curioso é que se trata de um grupo facilmente identificável, com algum tipo de
organização operacional, com algum tipo de hierarquia, mas também com um alto
nível de desorganização e descontrole.
Se
começarmos pela categoria dos carregadores de bagagem, vamos nos dar conta do
quão desatualizados estamos. Foi-se o tempo em que praticamente todos os
passageiros necessitavam de carregadores, principalmente porque a bagagem era
em forma de baú, caixa, ou mesmo malas difíceis de serem carregadas. Daí a
expressão “mala sem alça”, referindo-se a uma pessoa difícil de carregar, de
lidar e de suportar.
Não
duvido nada que daqui a algum tempo veremos malas obedecendo a ordens de um
controle remoto, sendo cada vez mais fáceis de serem carregadas, ou levadas a
qualquer lugar.
Na
contra mão dos maleteiros, vem os carrinhos e as malas cheias de rodinhas, que
possibilitam a condução tranqüila, independente do peso da bagagem.
Mas
se mesmo assim ainda encontramos um grupo razoavelmente grande de carregadores,
é porque de alguma maneira eles ainda vivem de estar ali no ambiente
aeroportuário. Fazendo o que? Câmbio ilegal de moeda, contrabando de produtos
importados, serviços de informação, reserva em hotéis e até mesmo carregar mala
em operações de grupos grandes operados por agencias de turismo receptivo.
Alguns
veteranos aceitaram um acordo com a INFRAERO, passando a ser funcionário com
carteira assinada, com a única e exclusiva função de perambular pelo aeroporto.
Uma forma de aposentadoria como reconhecimento histórico dos serviços que
prestaram durante anos. Outros preferiram continuar perambulando com os
uniformes de “Porter”, mas se você o chamar para carregar bagagem, ele vai
apenas te ajudar a achar algum outro que faça. Esse não é mais carregador.
Paralelo
a eles atua uma classe que já me serviu como tema de monografia, que exerce
diversas atividades de maneira ilegal e não autorizada, conhecida como “bandalha”.
Os
bandalhas são tragicômicos, vivem num mundo a parte com leis próprias e acham
que é um direito deles agir dessa maneira. São como aves de rapina, sobrevoam o
espaço aéreo interno em busca de presas fáceis, que os deixem satisfeitos por
um período, para voltar a agir em seguida.
Há
algum tempo atrás surgiu um novo personagem nessa cadeia econômica, que antes
atuava apenas na área externa do aeroporto e que agora invade de forma
descarada as instalações internas. Engraxates adolescentes, moradores de
comunidades da Ilha do Governador, que além de oferecer seus serviços passam o
dia pedindo dinheiro, comida, ou qualquer outra coisa que lhes chame a atenção.
Alguns
começaram meninos, cresceram ali e agora já são pais de famílias. Outros estão
começando meninos, aprendem algumas poucas palavras em inglês e driblam
facilmente os vigilantes. É o velho jargão, “eu podia estar roubando, eu podia
estar matando...”.
Para
criar um ambiente com um mínimo de segurança, surge de maneira espontânea uma
teia em que haja uma interdependência entre todos os atores, mantendo as coisas
como estão.
Mas
quando me refiro ao lado tragicômico, é porque quando começamos o dia no
aeroporto, presenciar as cenas que se apresentam são apenas ossos do ofício.
A
mistura de vôos vindos da Europa, Estados Unidos e América Latina, fazem do
desembarque internacional um teatro. Tem a família e os amigos daquele
estudante que estava em intercambio, voltando pra casa depois de seis meses.
Tem profissionais de todos os ramos que esperam por clientes, turistas ou
qualquer pessoa que tenha contratado os serviços de recepção e traslados. Tem
vigilantes de empresas contratadas e da própria INFRAERO, tem funcionários das
companhias aéreas e tem atendentes do comércio ali instalado. Tem taxistas
legais e ilegais. Tem motoristas de ônibus, vans e carros que atuam legalmente
ou não. Tem polícia militar, guarda municipal e polícia federal. Tem receita
federal.
De
repente surgem gritos histéricos que acordam o ambiente, mas é apenas aquela
galera que espera pela amiga com faixas, cartazes, apitos e... gritos.
Poucos
minutos depois outros gritos. Agora são bandalhas que brigam entre si,
discutindo de maneira dura, que por pouco não vai às vias de fato.
Ninguém
tem mais pudor de falar abertamente dos seus feitos. Um bandalha fala dos
passageiros que pescou, pra onde o levou e, principalmente, o quanto cobrou. Um
taxista indica uma transportadora que levaria uma família para Búzios, cercado
de bandalhas querendo faturar em cima daquele peixe, mas ainda assim garantindo
uma comissão pela indicação. Passa um engraxate com cabelo estilizado e
pintado, que perguntado sobre dois outros fulanos que freqüentavam aquele
ambiente indica através de uma linguagem corporal bem carioca, que um morreu e
o outro está no crime.
Esse
mesmo engraxate para ao lado de todos aqueles outros personagens que estão à
espera do desembarque, saca de um telefone celular branco e bota pra tocar um
funk proibidão em altíssimo volume. Vangloria-se dizendo que assim o gringo já
chega entrando no clima...
O
tempo passa e as chances de novos episódios ocorrerem é grande, mas quando um
grupo de 40 estudantes canadenses desembarca, meninos e meninas de 17 e 18 anos
louros e lindos colorem o ambiente. As meninas escutam sem entender, àqueles
comentários machistas e agressivos que alguns homens brasileiros acham normal.
O
câmbio é feito descaradamente, centenas de carrinhos cruzam o terminal lotado,
empurrados por funcionários terceirizados que mal pedem licença, o único
elevador em funcionamento já acumula fila enorme, a bagunça é generalizada e eu
leio matéria jornalística que traz a afirmação presidencial que os aeroportos
estão prontos.
Os
estádios, o palco principal do evento, não estão todos prontos. Falta água,
falta teto, falta comida, falta sinalização e falta informação. Mas agora já
estão todos em poder da mãe FIFA.
E
mãe só tem uma, porque se fossem duas...
IMAGINA
DEPOIS DA COPA!!!
OI Arnaldo, gostei de tudo mas acho que vocês esqueceu de dizer que isso acontece todos os dias e até hoje, ninguém resolveu.
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