“Um problema pessoal”
RESUMO
O estudo dos fenômenos sócio-culturais, suas origens e consequências, quando abordados pelo ponto de vista do impacto causado pela frequência turística, normalmente tem um tom negativo ao identificar malefícios no meio ambiente, numa comunidade, numa localidade, região ou área específica.
Quando um exemplo positivo gera benefícios para atores protagonistas e coadjuvantes de um cenário pesquisado, faz-se necessário um aprofundamento no estudo do caso, no intuito de utilizá-lo como base para novas ações, planejadas e estruturadas.
A Escadaria do Selarón, que vem se transformando em ícone de um turismo alternativo na busca por experiências de viagem mais autênticas, é um exemplo claro de como a afluência cada vez maior de turistas nacionais e estrangeiros a um determinado atrativo gera segurança, valorização, negócios e uma transformação necessária na busca de uma revitalização dos espaços públicos da cidade.
PALAVRAS CHAVES
Impacto, turismo, comunidade, Lapa, escadaria, Selarón.
INTRODUÇÃO
impacto
im.pac.to
adj (lat impactu) 1 Empurrado, impelido contra. 2 Metido à força. sm 1 Ação ou efeito de impactar. 2 Ponto de penetração de um projétil. 3 Choque, embate, encontrão. 4 Choque de um corpo em movimento com outro em repouso. 5 Choque emocional; expectativa. 6 Astronáut Ponto terminal da trajetória de um míssil.
im.pac.to
adj (lat impactu) 1 Empurrado, impelido contra. 2 Metido à força. sm 1 Ação ou efeito de impactar. 2 Ponto de penetração de um projétil. 3 Choque, embate, encontrão. 4 Choque de um corpo em movimento com outro em repouso. 5 Choque emocional; expectativa. 6 Astronáut Ponto terminal da trajetória de um míssil.
(http://michaelis.uol.com.br/)
"Toda ação provoca uma reação de igual intensidade, mesma direção e em sentido contrário".
(Isac Newton – 3a lei de Newton)
Todo impacto traz consequências, no turismo identificamos os impactos através da interferência de hábitos e costumes que visitantes trazem consigo, influenciando comunidades, localidades e regiões. Esses impactos podem ter influência positiva ou negativa, mas sempre significarão influências e mudança de comportamento.
Agustín Santana, em “ANTROPOLOGIA DO TURISMO – Analogias, encontros e relações”, refere-se aos impactos com um sinônimo de conotação mais positiva, efeitos. “Os efeitos são resultados de um encontro, nem sempre expressos como positivos ou negativos para o conjunto de atores”. çldaskjladskjfldasjfljs
Através da observação de campo, do contato com os atores deste cenário e do depoimento de visitantes, é possível traçar um histórico de influências causadas por impactos da frequência turística em um destino.
“Ao estruturarmos um determinado núcleo, como produto turístico, temos que levar em conta o impacto que a atividade turística trará para a comunidade que vive naquela localidade. Por conseguinte, uma das providências mais importantes no planejamento e ordenamento de novas opções de consumo turístico é a preparação da comunidade anfitriã. Preparar a comunidade anfitriã significa integra-la definitivamente ao processo de comercialização do turismo, ou seja, fazer com ela entenda que o novo consumidor trará empregos, melhorias e sobretudo fará circular uma nova moeda, mas perceber que deverá ter uma atitude positiva em relação ao visitante.”
(Boiteux, 2000, Ideias & Opiniões Interdisciplinares no Turismo, pag. …...)
Conhecedores das consequências negativas causadas por uma frequência turística operada em um volume desproporcional a capacidade do destino, ou por não respeitar o destino sócio-culturalmente, consideramos que os exemplos positivos desses impactos devem ser estudados e divulgados ao máximo. Esses exemplos devem servir de inspiração para outras ações, a serem desenvolvidas através de um planejamento prévio para o turismo, visando a sustentabilidade exigida pelos novos rumos da humanidade.
Essas influências surgem espontaneamente ou são provocadas, intencionalmente. Quando surgem espontaneamente, são fruto de combinações entre as culturas que estão em contato, somadas ao ambiente e as condições em que esse contato acontece e a um “inconsciente coletivo” gerado pela ação de todos esses fatores concomitantemente.
O filósofo Nildo Viana concebe o inconsciente coletivo como o conjunto das necessidades e potencialidades reprimidas de um conjunto de indivíduos, grupos, classes ou toda a sociedade.(çlasdkjfalçsj)
Quando provocadas, quando são fruto de ação intencional de um indivíduo ou grupo social, podem ser aceitas ou reprovadas, tanto pelos atores daquele cenário, como por seus visitantes. Mas quando aceitas, transformam-se em estopim para uma avalanche de outras mudanças.
Frequentando diversos pontos de interesse turístico da cidade do Rio de Janeiro e observando as mudanças ocorridas por influência do número de visitantes que por ali passaram, percebemos um atrativo em especial. Um atrativo que foi conquistando o interesse de todos, principalmente da comunidade adjacente, pela mudança do cenário e o ambiente da localidade.
A hoje conhecida como “Escadaria do Selarón”, acesso ao bairro de Santa Teresa de quem sobe pela Lapa, foi ocupada pelo sonho de um Chileno que não só mudou o visual da construção, como o dia a dia da comunidade que a rodeia.
Além da observação de campo, buscamos o depoimento do próprio Selarón e de seus assistentes, assim como de alguns visitantes e moradores. Essa busca é movida pelo interesse de encontrar quais os reais efeitos causados pela arte produzida num ambiente público.
COMUNIDADE
s. f. 1. Qualidade daquilo que é comum 2. Agremiação. 3. Comuna. 4. Sociedade. 5. Identidade. 6. Paridade. 7. Conformidade. 8. Lugar onde vivem indivíduos agremiados.
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(Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
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A rua Manuel Carneiro é um dos antigos acessos da cidade ao bairro que surgia no topo do morro homônimo, Santa Teresa, principalmente o acesso ao Convento. Por ter um grau de inclinação muito elevado, tem como característica o fato de ser uma rua em forma de escadaria.
Depois do auge na década de 20, quando a Lapa foi o berço de uma cultura tipicamente carioca, e com a expansão da cidade para áreas antes desabitadas como Copacabana, a região foi praticamente abandonada. Com a baixa frequência um outro tipo de ocupação se deu. Mendigos, drogados e traficantes, passaram a dominar informalmente a escadaria, quase impossibilitando a aproximação.
Com a chegada de Jorge Selarón (Chile, 1947), pintor e ceramista autodidata, radicado no Brasil há 20 anos, e sua iniciativa de criar um jardim com banheiras velhas ao longo da escadaria, os turistas, a mídia, os moradores e em última instância o poder público, exatamente nesta ordem, se deram conta do quão positiva aquela loucura poderia ser.
Esse novo conceito de ocupação e arte coincide com o ressurgimento da Lapa como a principal vida noturna da cidade. Uma onda de revitalização acontece em meio a reorganização do Rio e sua preparação para uma década promissora em eventos de grande porte, que vem carregada de ordem e valorização.
Para que um grupo de pessoas se reconheça como uma comunidade, é necessário algo que as una. Uma reivindicação, um anseio ou um modelo de vida. A busca por uma melhor qualidade de vida é o anseio de todos, mas esse motivo maior deve encontrar caminhos seguros e satisfatórios para todos os componentes do grupo, ou pelo menos sua maioria.
ARTE
Pesquisas sobre comportamento e influência de grupos de interesse urbano ajudariam a identificar áreas potencialmente preocupantes, para que os tomadores de decisão a elas se dirigissem logo nos primeiros estágios de planejamento. Aliado a isso, estaria um estudo dos mecanismos de resistência adotados por grupos excluídos e dos impactos da exclusão em comunidades locais, em termos de sua percepção do turismo do qual se encontram excluídas e de suas táticas para se incluírem e tornarem-se colaboradores reais, no longo prazo, do cenário urbano.
(Tyler & Guerrier, 2001, Gestão de Turismo Municipal, pag. …..)
Já não são mais poucas as experiências nas quais através do esporte e da arte é possível recuperar áreas degradadas e abandonadas, além de recuperar vidas.
No início uma escadaria que dava acesso ao Convento, suja e mal cuidada. Esquecida pelo poder público, a ocupação espontânea, nem sempre legal, se dá da pior maneira possível. Drogas e prostituição.
Ao anoitecer, a região da Lapa, que começa a viver um nova fase da sua história, oferece todo tipo de atração, transformando-se no maior polo multimídia do Rio de Janeiro.
Bares, boates e restaurantes, além do Circo Voador e da Fundição Progresso, vão compondo um novo cenário. A demanda aumenta geometricamente, chama a atenção do poder público primeiramente no intuito de proporcionar segurança e bem estar. O programa Choque de Ordem, da Secretaria Estadual de Ordem Pública fecha ruas depois das 22hs de sexta-feira e sábado, impede a venda de produtos, principalmente bebidas alcoólicas, por parte de camelos e oferece um espaço de lazer noturno para cariocas e visitantes de excelente qualidade.
Há uma válvula de escape para os que se consideram alternativos, seja de que tribo for. Na rua Joaquim Silva foram se instalando pequenos bares e algumas barracas com venda de bebidas, que com o avanço da hora e a aglomeração que se forma torna-se intransitável para qualquer tipo de veículo. Serve como uma espécie de território livre, tentando se impor e sobrepor a lei geral da cidade, do estado e do país.
Um dos pontos de encontros para essa nova tribo é a escadaria, antes conhecida como Escadaria do Convento, hoje como Escadaria do Selarón. Um monumento em movimento.
Das banheiras para os azulejos, dos azulejos para a capa de revistas, jornais e, finalmente, para guias turísticos. Hoje são azulejos de inúmeras partes do mundo, alusivos as cidades de origem, de um clube esportivo, de um grupo social, de eventos históricos, etc. A ocupação de paredes, muros e degraus através dos azulejos, com direito a bandeira do Brasil, coloriu o ambiente, deu ar de limpeza, encheu de orgulho a vizinhança e começou a transformar a realidade daquele lugar
TRANSFORMAÇÃO
O interesse gerado pelo movimento artístico começa a transformar a realidade de uma localidade, de uma comunidade e de seus respectivos visitantes. Mais conhecido como instalação, a ocupação começa a gerar qualidade de vida e oportunidades profissionais e/ou comerciais.
“Também fica claro, nos estudos de caso, que o desenvolvimento turístico urbano de sucesso é 'apropriado”. Com isso, queremos dizer que o desenvolvimento oferece oportunidades para as comunidades locais, de negócios e de residência, e que elas são capazes de aprender, dada a quantidade adequada de treinamento, apoio e recomendações.”
(Tyler & Guerrier, 2001, Gestão de Turismo Municipal, pag. …..)
A começar pelo próprio artista, que hoje conta com um número de colaboradores diretos e indiretos, passando por todos os estabelecimentos comerciais da região, é fácil notar um desenvolvimento sócio econômico.
Agências de turismo atentas as exigências de um novo modelo de viajante que busca principalmente vivenciar experiências em suas visitas, começam a incluir a “Escadaria do Selarón” em seus roteiros. Guias de turismo buscam atualizar-se não apenas quanto as informações sobre Jorge Selarón e sua arte, como sobre Santa Teresa, Lapa e a boemia carioca do início do século passado.
Esse tipo de transformação traz consequências naturais, já vistas em outras localidades e atividades turísticas, quando os atores deste cenário começam a perceber oportunidades de trabalho. Motoristas, guias de turismo e artesãos, são alguns exemplos.
Mas a maior transformação é a do ambiente. Há alguns anos atrás era praticamente impossível fazer uma visita ao atrativo, já que imperava a venda de drogas e todas as consequências que este tipo de atividade traz. O roubo praticado contra todos os tipos de visitantes, fossem eles brasileiros ou estrangeiros, também intimidavam e amedrontavam.
Vários eram os guias e agências que inibiam e evitavam a visita, mesmo que partisse de seus clientes a solicitação por realizá-la. Ninguém se sentia seguro e confortável naquele ambiente.
A presença frequente de turistas e os resultados obtidos com essa frequência, começaram a ficar cada vez mais nítidos e foram absorvidos pela comunidade do entorno. Hoje desde as primeiras horas de qualquer dia, até o final da noite, é possível ver visitantes de todas as partes do Brasil e do mundo, que tomaram conhecimento da instalação através dos mais diversos meios de comunicação, ou por indicação de quem já esteve por lá.
Como o próprio Selarón diz, ele é o único artista que, diariamente atende ao público visitante. Ele por si só, com sua personalidade ímpar, já é um atrativo, além de manter aberto seu atelier, onde efetua venda de quadros, pinturas e desenhos de sua autoria.
Bares, restaurantes, estacionamento e todo tipo de oportunidades vão se apresentando, produzindo uma transformação total no ambiente, desta feita de maneira altamente positiva, devendo ser estudada e analisada, no intuito de usar essa experiência em outras localidades, comunidades e regiões.
VALORIZAÇÃO
Uma consequência natural da transformação do ambiente e do entorno, é a valorização imobiliária. Valorização que começou com o renascimento da vida noturna nos arredores da Lapa, onde o casario histórico vai sendo transformado em bares, restaurantes, casas de espetáculo, etc.
A Rua do Lavradio é um belo exemplo desta transformação. Dos tradicionais antiquários à feira realizada uma vez por mês, que cria um ambiente rico em cultura, gastronomia e arte. A experiência é um sucesso e já faz parte do calendário de eventos da cidade, atraindo cariocas e visitantes.
Com todo esse movimento e essa onda de transformação, ficou difícil encontrar um imóvel disponível. Quando surge, os preços são infinitamente mais altos do que os praticados anteriormente, quando surge.
A valorização financeira reflete-se de forma positiva na manutenção e a preservação desses imóveis, permitindo um movimento demográfico em direção ao centro histórico da cidade, abrindo inclusive a possibilidade de combinar essa ocupação com novos empreendimentos.
Uma classe média diferente, principalmente, em hábitos e costumes das que habitam em outros bairros do Rio, ocupa e vive esse novo espaço. A Lapa, que já foi sinônimo de malandragem, de gafieira e de boemia, começa a reviver uma transformação já experimentada em Salvador/BA, quando o Pelourinho transformou-se no principal atrativo turístico da cidade.
Se alguém quer conhecer a cultura negra brasileira, ou como preferem alguns a cultura Afro Brasileira, vá a Salvador, mas se alguém quiser conhecer a essência da malandragem carioca, aquele jeitinho maroto do povo da “cidade maravilhosa” e sua malemolência, vá a Lapa. O samba, a diversidade e o mundo, marcaram um ponto de encontro naquela região.
RESULTADOS
A prefeitura do Rio de Janeiro e seu programa choque de ordem chegaram a Lapa de forma planejada, impedindo o trânsito em sua área central nas sextas e sábados a partir das 22h, organizando o comércio informal e dando segurança aos transeuntes, fazendo com que a noite carioca então famosa pelos seus “baixos” (Leblon, gávea, etc.), vivencie essa experiência de reocupação.
Novos eventos, urbanização, melhorias, é tudo somado e considerado nas análises das consequências que essa mudanças trouxeram. Mais um território é resgatado pela sociedade, através do lazer e do entretenimento.
Os turistas estrangeiros já chegam perguntando sobre a Lapa, os brasileiros, por logística e economia, andam preferindo ficar em meios de hospedagem próximos a Lapa.
Manifestações culturais revelam talentos das artes, tendo como ícone a cantora de samba Teresa Cristina. Com nome de princesa, Teresa Cristina começou sua carreira profissional na Lapa, onde todas as portas sempre estiveram escancaradas para a música e a cultura em geral.
A Lapa transforma-se numa espécie de resistência cultural, aberta as novidades e ao diferente.
CONCLUSÃO
“...o estudo do turismo urbano não deve restringir-se à demando e à oferta do produto turístico. Ao contrário, o desenvolvimento turístico deveria ser visto em termos de gestão de modificação das cidades e de suas funções nos processos decisórios que levam a tais mudanças. Entendemos o turismo urbano como uma resposta social e política para as principais modificações pós-fordistas que se manifestaram em nossas cidades no final do século XX;”
(Tyler & Guerrier, 2001, Gestão de Turismo Municipal, pag. …..)
As interferências positivas que a frequência turística pode impor a uma comunidade, sociedade, localidade, região ou área, devem ser estudadas, analisadas, divulgadas e promovidas, no intuito de garantir um turismo mais sustentável e repleto de responsabilidade social.
Entre o poder público e a iniciativa privada não pode ocorrer uma batalha para provar quem ajuda mais ou menos na construção de uma economia que garanta trabalho e renda para a população local. Há que se construir uma aliança e um comprometimento de todos os interessados no desenvolvimento do turismo no Brasil.
O governo, em todas as suas esferas, deve apoiar e incentivar inciativas que tenham cunho de preservação da natureza, do meio ambiente e do meio sociocultural. As empresas e os profissionais envolvidos nessa atividade econômica, devem ter como foco principal as inciativas que visem diminuir o consumo de água, luz e gás, além de otimizar a utilização de insumos em áreas como a administrativa.
Nesse sentido, um olhar mais atento a experiências de pequeno e médio porte que tragam os benefícios esperados pela atividade comercial conhecida como turismo, gerando riqueza, trabalho, bem estar e qualidade de vida, além da troca natural da relação entre homens e suas culturas quando entram em contato umas com as outras, deve transforma-se em uma prática cotidiana.
A iniciativa de um “forasteiro”, alguém que poderia ser visto como um intruso, pode ser muito bem-vinda quando coincide com as expectativas de um grupo social. É o que podemos constatar na inciativa de Jorge Selarón e sua escadaria.
De maneira intuitiva e espontânea, o ambiente foi transformado para melhor. A reboque dos acontecimentos, já que nunca interferiu premeditadamente, o poder público deveria investir num planejamento que garanta longevidade ao novo atrativo.
Aceitar a ocupação do espaço público, fornecendo a infraestrutura necessária para que, moradores, comerciantes e visitantes em geral, possam desfrutar de uma experiência única e enriquecedora. Essa é talvez a peça que falta para montar um quebra-cabeça que nos direcione a um futuro de sucesso a médio prazo.
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