21 de maio de 2014


OSSOS DO OFÍCIO
(E DO SACRIFÍCIO)

Comecei o dia no aeroporto.
Estamos a poucos dias do início da Copa do Mundo, mas essa proximidade parece fazer as coisas que já eram ruins, piorarem bastante.
Num horário que coincide a chegada de vários vôos internacionais, o salão de desembarque se transforma num circo, num picadeiro, numa zona. É possível presenciar situações grotescas, envolvendo o mais variado cardápio de personagens e atores locais, que parecem ser os donos daquele espaço que se confunde entre o público e o privado.
Familiares, conhecidos e profissionais que esperam por passageiros, compõem um mosaico mega eclético de pessoas, com as mais variadas intenções. Existe uma ânsia nessa espera, uma tensão. É a energia principal que rege aquele ambiente, energia positiva e/ou negativa.
Mas é o que se passa nas entrelinhas daquele ambiente, que nos faz crer que a situação é muito pior do que se propagandeia por aí. Existe um “Black market” atuando livremente, sabe-se lá porque, que domina os dois terminais do Galeão causando constrangimento, tristeza e vergonha.
Em outros países chamariam de máfia, o que não muda em nada o resultado final. O curioso é que se trata de um grupo facilmente identificável, com algum tipo de organização operacional, com algum tipo de hierarquia, mas também com um alto nível de desorganização e descontrole.
Se começarmos pela categoria dos carregadores de bagagem, vamos nos dar conta do quão desatualizados estamos. Foi-se o tempo em que praticamente todos os passageiros necessitavam de carregadores, principalmente porque a bagagem era em forma de baú, caixa, ou mesmo malas difíceis de serem carregadas. Daí a expressão “mala sem alça”, referindo-se a uma pessoa difícil de carregar, de lidar e de suportar.
Não duvido nada que daqui a algum tempo veremos malas obedecendo a ordens de um controle remoto, sendo cada vez mais fáceis de serem carregadas, ou levadas a qualquer lugar.
Na contra mão dos maleteiros, vem os carrinhos e as malas cheias de rodinhas, que possibilitam a condução tranqüila, independente do peso da bagagem.
Mas se mesmo assim ainda encontramos um grupo razoavelmente grande de carregadores, é porque de alguma maneira eles ainda vivem de estar ali no ambiente aeroportuário. Fazendo o que? Câmbio ilegal de moeda, contrabando de produtos importados, serviços de informação, reserva em hotéis e até mesmo carregar mala em operações de grupos grandes operados por agencias de turismo receptivo.
Alguns veteranos aceitaram um acordo com a INFRAERO, passando a ser funcionário com carteira assinada, com a única e exclusiva função de perambular pelo aeroporto. Uma forma de aposentadoria como reconhecimento histórico dos serviços que prestaram durante anos. Outros preferiram continuar perambulando com os uniformes de “Porter”, mas se você o chamar para carregar bagagem, ele vai apenas te ajudar a achar algum outro que faça. Esse não é mais carregador.
Paralelo a eles atua uma classe que já me serviu como tema de monografia, que exerce diversas atividades de maneira ilegal e não autorizada, conhecida como “bandalha”.
Os bandalhas são tragicômicos, vivem num mundo a parte com leis próprias e acham que é um direito deles agir dessa maneira. São como aves de rapina, sobrevoam o espaço aéreo interno em busca de presas fáceis, que os deixem satisfeitos por um período, para voltar a agir em seguida.
Há algum tempo atrás surgiu um novo personagem nessa cadeia econômica, que antes atuava apenas na área externa do aeroporto e que agora invade de forma descarada as instalações internas. Engraxates adolescentes, moradores de comunidades da Ilha do Governador, que além de oferecer seus serviços passam o dia pedindo dinheiro, comida, ou qualquer outra coisa que lhes chame a atenção.
Alguns começaram meninos, cresceram ali e agora já são pais de famílias. Outros estão começando meninos, aprendem algumas poucas palavras em inglês e driblam facilmente os vigilantes. É o velho jargão, “eu podia estar roubando, eu podia estar matando...”.
Para criar um ambiente com um mínimo de segurança, surge de maneira espontânea uma teia em que haja uma interdependência entre todos os atores, mantendo as coisas como estão.
Mas quando me refiro ao lado tragicômico, é porque quando começamos o dia no aeroporto, presenciar as cenas que se apresentam são apenas ossos do ofício.
A mistura de vôos vindos da Europa, Estados Unidos e América Latina, fazem do desembarque internacional um teatro. Tem a família e os amigos daquele estudante que estava em intercambio, voltando pra casa depois de seis meses. Tem profissionais de todos os ramos que esperam por clientes, turistas ou qualquer pessoa que tenha contratado os serviços de recepção e traslados. Tem vigilantes de empresas contratadas e da própria INFRAERO, tem funcionários das companhias aéreas e tem atendentes do comércio ali instalado. Tem taxistas legais e ilegais. Tem motoristas de ônibus, vans e carros que atuam legalmente ou não. Tem polícia militar, guarda municipal e polícia federal. Tem receita federal.
De repente surgem gritos histéricos que acordam o ambiente, mas é apenas aquela galera que espera pela amiga com faixas, cartazes, apitos e... gritos.
Poucos minutos depois outros gritos. Agora são bandalhas que brigam entre si, discutindo de maneira dura, que por pouco não vai às vias de fato.
Ninguém tem mais pudor de falar abertamente dos seus feitos. Um bandalha fala dos passageiros que pescou, pra onde o levou e, principalmente, o quanto cobrou. Um taxista indica uma transportadora que levaria uma família para Búzios, cercado de bandalhas querendo faturar em cima daquele peixe, mas ainda assim garantindo uma comissão pela indicação. Passa um engraxate com cabelo estilizado e pintado, que perguntado sobre dois outros fulanos que freqüentavam aquele ambiente indica através de uma linguagem corporal bem carioca, que um morreu e o outro está no crime.
Esse mesmo engraxate para ao lado de todos aqueles outros personagens que estão à espera do desembarque, saca de um telefone celular branco e bota pra tocar um funk proibidão em altíssimo volume. Vangloria-se dizendo que assim o gringo já chega entrando no clima...
O tempo passa e as chances de novos episódios ocorrerem é grande, mas quando um grupo de 40 estudantes canadenses desembarca, meninos e meninas de 17 e 18 anos louros e lindos colorem o ambiente. As meninas escutam sem entender, àqueles comentários machistas e agressivos que alguns homens brasileiros acham normal.
O câmbio é feito descaradamente, centenas de carrinhos cruzam o terminal lotado, empurrados por funcionários terceirizados que mal pedem licença, o único elevador em funcionamento já acumula fila enorme, a bagunça é generalizada e eu leio matéria jornalística que traz a afirmação presidencial que os aeroportos estão prontos.
Os estádios, o palco principal do evento, não estão todos prontos. Falta água, falta teto, falta comida, falta sinalização e falta informação. Mas agora já estão todos em poder da mãe FIFA.
E mãe só tem uma, porque se fossem duas...
 
IMAGINA DEPOIS DA COPA!!!
 

Um comentário:

  1. OI Arnaldo, gostei de tudo mas acho que vocês esqueceu de dizer que isso acontece todos os dias e até hoje, ninguém resolveu.

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